← Back to portfolio
Published on

A Baixada quer moradia

Ocupação em Duque de Caxias tem apoio da UFRJ para a realização do sonho da casa própria.

A deficiência na política habitacional urbana atinge a vida de milhões de brasileiros de baixa renda. A especulação imobiliária distancia cada vez mais a chance de possuir um pedaço de terra, além dos elevados valores nos aluguéis. Em vista dessas problemáticas, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) milita desde a década de 1990 por uma reforma urbana que promova o direito à cidade a todos e a não associação da moradia como uma mercadoria. Junto com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR - UFRJ), o movimento consegue uma união entre a necessidade e a metodologia, como no caso da Ocupação Solano Trindade.

“Nós somos um grupo de pesquisação, onde mesclamos nossa pesquisa – os estudos teóricos – com a ação, ou seja, nossa atuação na política” – explica a pesquisadora do Laboratório de Metrópoles do IPPUR, Irene Mello.

A Ocupação Solano Trindade se localiza no bairro São Bento, no município de Duque de Caxias, às margens da Avenida Presidente Kennedy, antiga Avenida Rio-Petrópolis, importante via local interligando a cidade com municípios vizinhos. Após dois anos pesquisando terras públicas destinadas a movimentos populares, a coordenação estadual do movimento encontrou uma parte ociosa do Centro Panamericano de Febre Aftosa. A coordenadora da Solano Trindade, Noemia Magalhães, conta:

“Aqui era uma terra ociosa que estava servindo a especulação imobiliária e não estava cumprindo a lei de função social de propriedade. Como somos um movimento organizado, a gente não invade, a gente ocupa. Ocupamos por dois motivos: ao mesmo tempo em que a gente faz a denúncia de que aquela terra está sendo especulada e não serve à sociedade, a gente ocupa para o uso das pessoas que precisam”.

O início de muita luta

O dia 08 de agosto de 2014 marca oficialmente a data da ocupação. O planejamento inicial era ocupar no dia de Solano Trindade, militante Caxiense que ajudou no levantamento cultural do município. Conhecido como o poeta negro, hoje dar o nome a ocupação. Contudo, por uma questão estratégica, a data precisou ser mudada.

“A gente programou todo nosso calendário de preparação das famílias para ocupar em um prazo de seis meses. A nossa ocupação estava marcada para o dia 24 de julho, mas por uma questão estratégica, decidimos realizar no dia 08 de agosto, pois neste dia estava acontecendo o Fórum de Reforma Urbana no Rio de Janeiro. Como aqui é uma terra de barão de extermínio, a gente teve esta preocupação para que caso algo acontecesse, teríamos a proteção de diversas pessoas ligadas ao movimento nacional em nosso estado”. – explica a coordenadora.

A participação das famílias nas reuniões do movimento durante seis meses era o passe decisivo que essas pessoas tinham como direito em ocupar. A obrigatoriedade de uma formação é explicada pelos coordenadores pelo fato que tudo deveria ser bem claro e o grupo deveria ser dividido em equipes para que quando chegasse o grande dia, todo mundo soubesse o que fazer e em qual propósito eles estavam lutando. Das 80 famílias formadas, apenas 27 tiveram a coragem de ocupar.

Com a terra protocolada e destinada pela Secretária de Patrimônio da União (SPU) ao movimento, o poder público precisa fiscalizar a partir de então se o terreno está sendo utilizada em prol de interesses habitacionais. Desse modo, iniciou-se um grande apoio de diversos departamentos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU); o Núcleo de Solidariedade Técnica (SOLTEC); Programa de Pós-graduação em Urbanismo (PROURB), além do IPPUR e do curso de Gestão Pública da UFRJ (GPDES). Todo esse envolvimento tinha a seguinte missão: a soma de pessoas que lutam por uma reforma urbana, que necessitam de um projeto e possuí mão de obra variada com professores e alunos da UFRJ, que possuem pesquisas e carências de experiência prática. Tudo isso resulta em uma grande equipe de Assessoria Técnica, a qual busca através de projetos inovadores a capacitação de moradores e estudantes.

“A Solano conseguiu financiamento para a construção de 150 moradias através do Minha Casa, Minha Vida Entidade. Por causa do processo de impeachment, os recursos foram congelados na gestão do novo Governo. O que a gente está passando para as famílias nas reuniões é que embora se tenha uma terra garantida para habitação, nós temos um projeto e um prazo a cumprir. Então, a gente tem que fazer habitação. Mas como fazer habitação sem recursos em âmbito federal?” – indaga Noemia.

Sobre o projeto inicial de construção de um conjunto habitacional, a socióloga Irene relata:

“O ideal do coletivo nunca foi ser fechado ao Minha Casa, Minha Vida Entidade, pois as regras restringem nosso projeto. A vantagem é o dinheiro, mas são muitas normas. A Assessoria Técnica fez o projeto voltado para os recursos da Caixa Econômica Federal, mas agora não há perspectiva para a efetivação do projeto.”

As dificuldades financeiras para construir uma nova cara para o terreno gera uma grande rotatividade de famílias presentes na ocupação resistindo. “Era para fazer Minha Casa, Minha Vida, mas o governo cancelou. Então, tem muita gente que prefere esperar no seu cantinho, entendeu?” – explica a moradora Juliana Malaquias, de 30 anos.

Ao dizer isso, Juliana se refere às 130 famílias que estão cadastradas para receber sua casa. Mesmo com a participação de, em média, 25 famílias - entre cadastradas e as que pretendem se cadastrar - nas Reuniões Ordinárias, que ocorrem no segundo domingo de cada mês às 15 horas, o restante das pessoas não perdem seu pedacinho de terra em Caxias, mas a preferência é de quem está na luta ocupando o terreno.

“As pessoas que estão lutando com a gente e construindo propostas têm prioridade automaticamente. Quando elas vêm para cá, avisamos que isso aqui não é a moradia que estamos propondo. Aqui é um lugar precário para quem quer sair do aluguel e quer ajudar na resistência da terra. Aquelas que têm cadastro, mas podem morar com familiares ou conseguem se manter no aluguel, esperaram até que a moradia saia. Aqui não tem lugar para todo mundo ocupar”. – pontua Noemia.

Aos cadastrados que optam por ocupar o terreno, enfrentam diariamente as adversidades pela luta por uma moradia digna. Apesar do amplo terreno, há pouco espaço estruturado para ser habitado. Assim, os moradores precisam dividir os ambientes e, na maioria das vezes, construir puxadinhos com tapumes e plásticos. Dessa forma, nem todos as casas possuem eletricidade, sendo os banheiros e a  cozinha espaços coletivos entre as famílias. Nas casas visitadas, viviam, em média, uma família de quatro pessoas composta pelo pai, mãe e dois filhos. Por ser uma região de muitas árvores, o alto índice de mosquito é uma das grandes reclamações dos moradores, principalmente no verão.

Novo projeto a vista

Em busca de alternativas para minimizar os danos no corte do orçamento, os departamentos da UFRJ, os moradores e os coordenadores fortaleceram ainda mais sua aliança. Após dois anos resistindo, o sonho de 130 famílias não pode ser colocado para trás. Para isso, a Assessoria Técnica elabora maneiras para conseguir recursos. Irene Mello explicou:

“Estamos trabalhando agora em um financiamento coletivo para a construção de uma Fábrica de Novas Tecnologias, onde serão produzidos pelos próprios moradores elementos construtivos para suas casas. O orçamento necessário para a construção da Fábrica ainda não foi fechado e agora estamos focados na elaboração de um roteiro e um vídeo para explicar o financiamento”. Ela completa: “Os moradores não estão aqui só pela moradia, mas também pelo trabalho”.

A moradora X, de 65 anos, afirma que possuí uma grande expectativa para a chegada da sua casa. Hoje, ela mora em uma sala cedida pela ocupação. Ao ser indagada sobre o que ela gostaria de ver no novo projeto, ela responde sem dúvidas: “Um posto médico, porque aqui (no bairro) não tem assistência. Eu me trato em Belford Roxo”.

Para a felicidade da aposentada e de muitos moradores, a questão da saúde está presente no projeto, além de áreas de lazer, creches, a criação de cooperativas de trabalho, áreas para a produção agrícola e um comércio comunitário. Já em relação às moradias, a pretensão é começar a construir de dez em dez através do dinheiro do financiamento, do trabalho dos moradores nas cooperativas, na futura fábrica e nos eventos aberto ao público realizado pelo movimento. Com isso, acredita-se que aos poucos, o sonho da moradia será concretizado.

“Poder ver uma outra vida, de um povo organizado, com outras condições sociais lutando por um mesmo objetivo, é muito gratificante. Nosso trabalho como assessor só faz sentido com o retorno dos moradores e podemos ver que na ocupação está muito além de uma luta coletiva, mas na realização de desejos dessas pessoas” - finaliza a assessora.


0 Comments Add a Comment?

Add a comment
You can use markdown for links, quotes, bold, italics and lists. View a guide to Markdown
This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply. You will need to verify your email to approve this comment. All comments are subject to moderation.