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Cabelo e Identidade: uma mulher de novas cores




De tranças longas, look despojado e seu brinco rosa de pompom. É assim que chega Talise dos Anjos, 24 anos, mulher preta, casada, formada em administração e auditora júnior, para um encontro atípico em nossas manhãs de sábado na UFRJ: ser entrevistada por mim. Com uma vida marcada pelos seus altos e baixos, eis que ela encontra uma nova luta para se engajar – o empoderamento da mulher negra na sociedade.

Nascida e moradora do município de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, sua trajetória sempre foi difícil. Seu pai, professor de Inglês, apesar de trabalhar em três escolas particulares, precisava do seu ofício como pintor para auxiliar na renda da casa. Após sua morte, os caminhos de Talise, de suas duas irmãs e de sua mãe começaram a se tornar mais complicadas.

Estudante da rede pública de ensino desde a 1ª série, Talise sempre carregou sua motivação para os estudos com a frase de seu herói: “Quem faz a escola é o aluno” – dizia seu pai. Com esse lema, ela não desanimou. No ensino fundamental, ela relembra: “Minhas amigas eram iguais a mim, negras do cabelo duro”. Contudo, ao passar para o ensino médio, em uma escola técnica – a Escola Técnica Estadual João Luiz do Nascimento – ela começou a ter seus primeiros estranhamentos.

Em um grupo de dez amigas, Talise era a única negra. A representatividade negra diminuiu ainda mais na Universidade. Formada em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ – Nova Iguaçu), encontrou no ambiente acadêmico novos desafios a serem superados.

“Não tive quase nenhum amigos negros na FAETEC. Minhas amigas vieram de escolas particulares e de cursinhos. As coisas começaram a mudar desde então. Meu pai sempre dizia que as coisas iriam melhorar. Superei isso tudo. Venci a escola técnica, mas ainda vinha a faculdade”- relata.

Apesar de ter usado o ano que iria se dedicar ao vestibular trabalhando em uma livraria para ajudar dentro de casa, as aulas do pré-vestibular da igreja a auxiliou bastante. Nele, além de um reforço escolar, ela também conseguiu as taxas de isenção das provas de ingresso para Universidade. Para ir ao curso, seu pai tirava uma passagem dele para dar a Talise. Assim, ele fazia metade do seu trajeto casa - trabalho a pé para Talise conseguir realizar seu sonho: passar na faculdade. 

“Passei para a faculdade. Infelizmente, meu pai não me viu ir para a faculdade porque ele morreu um dia depois da prova do Enem, mas ele sabia que eu iria passar. Ele morreu com essa certeza”. – conta Talise emocionada

No período como estudante de administração, seu cabelo era alisado. O alisamento fez e faz parte da rotina de boa parte de jovens e crianças de cabelos cacheados e crespos que não se identificam com seu cabelo. Para encerrar com os procedimentos químicos no cabelo, o liso foi trocado pelo cabelo natural, começando então sua transição capilar. Durante os primeiros passos da sua transição, ela estava correndo atrás de um estágio. Talise conta que participou de mais de cinquenta processos seletivos, mas nunca era selecionada.

“Eu comecei a pensar o porquê eu não era selecionada nos processos seletivos de estágio. Teve um que eu saí chorando muito, pois durante um coffe break, entre os intervalos do processo, um menino branco e muito bem vestido revelou que não gostava de fazer nada. Ele só buscava status dentro da empresa. Eu ficava pensando: poxa, mas eu só quero trabalhar. No final, ele conseguiu e eu não. Quando eu saí, eu perguntei ao recrutador o motivo de eu não ter conseguido passar e ele me disse que eu não tinha o perfil. Agora, eu me pergunto: o que é perfil?” – revela.

Sem muitas esperanças, ela foi participar do processo seletivo da Oi. Na dinâmica de grupos, os jovens começaram a compartilhar suas experiências com os intercâmbios que fizeram e apontavam esse momento como de grande dificuldade. Na sua vez, Talise surpreendeu os recrutadores:

“Eu disse assim: eu também fiz intercâmbio, mas dentro da comunidade onde eu moro porque é lá que eu vivo com as diversidades. Eu sou universitária, mas lá (na comunidade) vivem pessoas que não sabem nem ler. É lá que eu vivo as dificuldades, pois somos quatro mulheres na minha casa e às vezes temos que dividir o mesmo ovo para comer. Eu não precisei viajar para passar dificuldade, então é esse o meu intercâmbio”.

Após esse episódio, ela contabiliza quatro anos dentro da empresa. Apesar de perceber que as pessoas que trabalham na empresa não têm as mesmas características e nem sempre os mesmos pensamentos que ela, a sua contratação foi um dos passos iniciais que a Oi deu na construção de um novo perfil. “Meus colegas não concordam com o sistema de cotas. Então, isso mostra que eles não concordam que eu esteja ali, pois foi graças às cotas que eu entrei na universidade.” – desabafa.

Com suas tranças até o meio da cintura, Talise encontrou algumas dificuldades para realizar essa vontade de ter cabelos longos que a representasse. Muitos profissionais da beleza sugeriram para que ela continuasse com as químicas relaxantes. Até na internet a dificuldade foi enorme em encontrar conteúdo para cabelos negros. Apesar disso, ela seguiu firme em sua decisão e colocou suas desejadas tranças em Madureira. “Quando a cabeleireira jogou aquele cabelão para frente, eu me senti uma nova pessoa. Eu não podia ter aquele cabelo e ser a mesma de sempre. Aquilo ali era uma identidade cultural e eu achava que era apenas estético. A minha intenção era só esconder o meu cabelo.” relembra.

No trabalho, muitos comentários foram feitos em relação a nova identidade dos fios de Talise, desde grandes elogios até frases como: “Por que você não bota um implante liso?”. Se apegando com os comentários positivos, ela seguiu em frente. A partir de então, sua maneira de se vestir foi mudando. Ela não queria mais tentar ser a menininha fofinha que nem suas amigas brancas do cabelo liso, mas sim uma mulher que carrega em suas tranças a luta pela sua identidade como mulher negra.

Autodeclarada como defensora pela liberdade das pessoas serem aquilo que querem ser, uma das palavras que ela mais detesta é vitimização. Talise acredita que se a gente sempre for menosprezar aquilo que o outro sente, eles nunca vão ter o direito de sofrer. Em seu processo de transformação na construção de uma nova identidade, a qual valoriza a história e a cultura negra, ela já sentiu uma mudança em seu ambiente de trabalho. Uma dessas atitudes veio do seu gerente que sempre pede para ela ir de turbante para o trabalho.

Talise dos Anjos busca mostrar quem é e para o que veio através de suas cores. Não só aquelas que carregam em suas roupas, mas também aquelas que estão presentes em seu sorriso que exibe a felicidade de ter encontrado algo tão aguardado: o seu verdadeiro eu que está para além das tranças, mas sim registrado em sua história.

*Matéria escrita para a disciplina Técnica de Reportagem I na Escola de Comunicação da UFRJ.

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